sexta-feira, 11 de maio de 2012

sábado, 25 de fevereiro de 2012

HISTORICO DA FAZENDA DA BEMPOSTA

Todas as fazendas da bacia do rio Calçado surgiram atraves do desmembramento da fazenda da Bemposta, cuja sede foi edificada após o ano de 1805 na margem do "Caminho do Mar de Espanha".
O autor Pedro Gomes da Silva em sua obra "Capitulos da Historia de Paraiba do Sul" apresenta sua versão à denominação da fazenda, sujerindo que Bemposta foi uma forma de José Antonio Barbosa - o "Capitão Tira Morros" - homenagear a terra paterna. Tal suposição de Pedro Gomes da Silva, segundo me confidenciou Arnaud Pierre, que publicou a obra após a morte do autor e amigo, teve base apenas no fato de o pai do capitão ter nascido no lugar denominado "Campos da Bemposta" em Portugal.
Com o passar do tempo fui demonstrando a Arnaud Pierre - falecido em fins de 2011 - que historicamente, a banda leste da antiga vila da Paraiba teve sua ocupação iniciada no local conhecido como "Portões". Tal denominação surgiu com a cobrança de pedagio nesse exato ponto do "Caminho do Mar de Espanha". Portões atualmente é nome de bairro do municipio de Areal no estado do Rio de Janeiro, que fica situado entre Petropolis e Tres Rios. O local dos antigos "Portões" certamente ficava situado no inicio da estrada que liga o atual bairro de mesmo nome ao atual distrito de Alberto Torres pertencente a Tres Rios. Do local exato da antiga cobrança do pedagio, o caminho se dirige ao alto da serra do "Mundo Novo", que era a parte alta da verdadeira e antiga via do "Caminho do Mar de Espanha". A via ligava o antigo arraial do Cágado em Minas Gerais, ao arraial de Sebolas no Rio de Janeiro.
A ligação entre o centro atual do municipio de Areal e os "Portões", surgiu na ocasião da construção da antiga estrada Rio - Bahia, na era Vargas. Desse modo, o centro de Areal, na margem da rodovia "União e Industria" (Petropolis-Juiz de Fora), ficou ligado aos "Portões". A partir dessa ocasião a rodovia Rio-Bahia partiria dos "Portões", utilizando toda a parte baixa fluminense do "Caminho do Mar de Espanha", fazendo a ligação entre o distrito de Bemposta ao distrito de Anta por rodovia de terra, atingindo depois os municípios de Sapucaia (RJ)e Alem Paraiba (MG).
Nos antigos "Portões" era cobrado o pedagio dos viandantes que transitavam entre o antigo arraial do Cágado, atual municipio de Mar de Espanha na zona leste da serra da Mantiqueira ou zona da mata mineira e Sebolas no Rio de Janeiro.
O pedagio era cobrado pelos proprietarios das terras, que abrangiam desde à margem direita do rio Piabanha em Albetro Torres, até a travessia do rio Paraiba do Sul, onde o "Caminho do Mar de Espanha" alcançava por canoa, o arrail de Chiador, na margem mineira oposta. Ainda na margem direita, as terras da familia Barroso Pereira se extendiam até o marco da futura vila de Anta, o pico do morro de São João, na divisa com Sapucaia, atual municipio.
No alto da serra do Mundo Novo ainda se encontra a magnifica sede da fazenda São João do Penedo que é da mesma época da fazenda Santarem. A portentosa sede foi edificada por Antonio de Castilho, genro de Leandro Barbosa, que era irmão do capitão "Tira Morros" e genro de Francisco Fagundes do Amaral, primeiro sesmeiro da região de Sebolas.Importante lembrar ainda, que Fagundes foi pioneiro na região, levado por Bernardo Soares de Proença, seu cunhado. O capitão Proença foi quem abriu a Variante entre Paraiba do Sul e o Pôrto de Estrela, passando pelo atual município de Petrópolis, no ano de 1724. Desde essa ocasião, o "Caminho Novo" de Minas, não mais desceria a serra por Paty do Alferes e o reconcavo da Bahia de Guanabara. A fazenda São João do Penedo fica situada exatamente entre os antigos "Portões" e a margem direita da atual BR 040, antes da travessia do rio Piabanha na direção de Sebolas. O antigo arraial de Sebolas atualmente é conhecido como distrito de Inconfidencia pertencente ao municipio de Paraiba do Sul.
De Sebolas partiu a ocupação da banda leste da antiga vila da Paraiba, a partir da edificação dos "Portões", não se sabendo ao certo, se os mesmos foram edificados pelo capitão Antonio Barroso Pereira ou pelo segundo marido de sua viuva, o capitão José Antonio Barbosa. O capitão Antonio Barroso Pereira viera de Minas com a mulher e o casal de filhos para edificar a Fazenda do Mato Grosso -próxima ao arraial de sebolas - inicialmente. Sabe-se que a edificação da sede da fazenda da Bemposta ocorreu depois da morte do capitão Antonio Barroso Pereira, que houvera reinvindicado aquelas sesmarias de forma individual, ou seja, terras em seu nome e outras tantas em nome de sua mulher Mariana Jacinta de Macedo. A localização da sede fazenda da Bemposta certamente foi escolhida por tratar-se de área rica em água, alem de estar situada mais centralmente no percurso de "Caminho do Mar de Espanha" fluminense, distando menos de 4 kms do local exato dos antigos "Portões". Essa situação geográfica reforça a tese da logística ideal para a ocupação dos sertões do territorio leste a ser desbravado. Isso de fato ocorreu com a edificação da Fazenda Sant'Anna no ano de 1813 pelo casal Magdalena Maria e Damaso José de Carvalho. Alem disso, no ano de 1817, tanto Magadalena Maria, como seu irmão Antonio Barroso Pereira (homonimo do pai e futuro barão de Entre Rios), receberam de D. João VI, as sesmarias de Entre Rios, onde ambos fundariam várias fazendas. Antonio edificaria as fazendas Cantagalo, Cachoeira e Rua Direita; sua irmã edificaria as fazendas Boa União e Piracema. Essa concessão de novas terras ofertadas por D. João VI a mesma familia reforça a preferencia do monarca pela familia Barroso Pereira, sua velha conhecida.
Como resultado dessa estrategia a coroa e os beneficiários atingiriam o objetivo crucial da implantação da cultura cafeeira no vale pioneiro do rio Calçado, seguido das terras de Entre Rios. Isso ocorreu efetivamente havendo quase instantaneamete a colonização do amplo território com o surgimento de inumeras fazendas de café.
Dessa região extrategica para a coroa a cultura cafeeira se desenvolveria de forma extraordinaria, ocorrendo a incorporação de outras áreas de cultivo atraves de novas vias de comunicação que logo alcançaram Cantagalo, que se ligou a Mar de Espanha por travessia do rio Paraiba na altura de Sapucaia, surgindo desse modo, as fazendas do Louriçal e Alpes, as pioneiras de café na provincia de Minas Gerais. Ao alcançar Vassouras a estrada do Comercio transformaria o café na principal fonte de exportação do Brasil em 1830.
D. João VI, que foi coroado rei no Brasil, nutria tanta admiração pelo capitão José Antonio Barbosa, que passou a trata-lo pela alcunha de "Capitão Tira Morros"! Desde o tempo inicial da regencia no Brasil, o monarca testemunhou inumeras obras realizadas pelo sudito modesto e agradecido, que mais tarde acrescentaria ao nome, o apelido real.
O capitão Tira Morros não teria a presença de D. João VI no palanque durante a inauguração da ponte de madeira e base de pedra - ligando Rio e Minas - sobre o rio Paraibuna no ano de 1824. Obra de grande porte para a época, a ponte ainda existente, liga Simão Pereira em Minas Gerais e Mont Serrat no Rio de Janeiro. A mesma foi inaugurada por D. Pedro I no mesmo dia em que Luis Barroso Pereira chegava ao Rio de Janeiro procedente do Recife para encontrar com imperador e tratar dos assuntos conflitantes da "Confederação do Equador".
Com a morte de D. João VI ocorrida em 1826 houve grande consternação do capitão "Tira Morros" e todo o clã Barroso Pereira e Carvalho. As noticias anteriores que chegavam de Lisboa já eram inquietantes e tristes, uma vez que, no Brasil era conhecida a perda de poder do grande estadista frente aos constitucionalistas no parlamento portugues.
A morte de D. João VI no "Paço da Bemposta" nas cercanias de Lisboa, muito provavelmente contribuiu, para que os agradecidos suditos perpetuassem o nome do palacio,local de sua morte, à fazenda pioneira do vale do rio Calçado na margem do "Caminho do Mar de Espanha". O palacio da Bemposta foi erguido por determinação de Catarina, rainha portuguesa da Inglaterra, que após viúva e sem filhos de Charles II, retornara à sua terra natal durante o reinado de seu irmão caçula D. Pedro II de Portugal.

sábado, 14 de janeiro de 2012

PAMPULHA

A denominação mais antiga de "Pampulha" é encontrada no texto da obra "Auto da Barca do Inferno" de Gil Vicente, poeta e dramaturgo portugues (1465/1536) que transgrediu costumes medievais, tornando-se ícone do teatro portugues renascentista. Sua obra foi pautada pela crítica social retratando costumes, dramas e vicios de seu tempo.
A denominação surge no dialogo entre o "Parvo e o Diabo", quando o penultimo responde ao convite ao inferno, citando "Pelourinho da Pampulha" em meio a citações escatologicas para designar o mesmo... Pode-se concluir que um local de pelourinho, por si, já apresenta a conotação de sofrimento. Alem desse aspecto o local do Pelourinho da Pampulha na Lisboa daquela época ficava em uma antiga zona portuaria, atualmente mais afastada do atual porto de Lisboa devido a sucessivos aterros. Na época dos grandes descobrimentos, certamente ali no "Pelourinho da Pampulha" ocorriam os castigos, especialmente após o desembarque das longas empresas das rotas da África, Ásia e do Brasil.
O termo Pampulha aparece pela primeira vez no Brasil como denominação de um "posto de guarda e registro" da corôa portuguesa situado na margem do "Caminho Novo", próximo ao antigo arraial de Sebolas. Por força da própria historia, tal lugar ainda é vastamente citado utilizando-se a denominação antiga, desprezando-se desse modo, a denominação "Inconfidencia" que faz referencia ao atual 2º distrito do município de Paraiba do Sul. A ultima denominação é pertinente aos fatos históricos que envolveram a figura de "Tiradentes", uma vez que, depois de sua morte no ano de 1792, o martir teve uma unica parte de seu corpo depositada em urna debaixo do altar da capela de Sant'Anna de Sebolas, que já não existe. Posteriormente a esse fato, o lugar ficou conhecido por muito tempo como "Sant'Anna de Tiradentes".
O posto de guarda da Pampulha foi presumivelmente erguido na gestão Gomes Freire de Andrade, o visconde de Bobadela, então vice rei do Brasil em meados do séc. XVIII. Nessa época a colonia ainda remetia à metropole a cota de 100 arrobas anuais de ouro. No entanto, o contrabando era intenso, fato esse que obrigou a metropole tentar refrear o desvio do precioso metal em local mais próximo ao Rio de janeiro. Até então o registro mais próximo para verificação de passaporte e inspeção entre o Rio de Janeiro e a capitania de Minas era o de Matias Barbosa. Posteriorment, este foi desativado, passando a funcionar no antigo posto de guarda do Paraibuna que fora edificado por Tiradentes no ano de 1783. O mesmo ainda se encontra presente no local, bem próximo a ponte construida pelo "Capitão Tira Morros" ligando o Rio de Janeiro e Minas Gerais; inaugurada por D. Pedro I no ano de 1824.
Como se sabe, a vila da Paraiba ficava situada a meio caminho da jornada entre o distrito aurífero e o porto do Rio de Janeiro, desse modo, o local escolhido próximo ao arraial de Sebolas era o mais correto sob o ponto de vista da logistica da longa viagem sobre mulas. Na parada da Pampulha, especialmente as autoridades de maior relevancia no governo da colonia faziam a sua rotina de descanço, assim como, a troca (muda) de animais para prosseguimento da viagem em ambos os sentidos. Praças e furrieis se ospedavam em edificações que não mais existem; que ficavam situadas entre o predio principal e a antiga cadeia, que persistiu ao tempo, por ser totalmente edificada em pedra. Do predio principal, somente existe a fachada em pedra, uma vez que, por volta de 1963, o mesmo que era de pau a pique, foi posto abaixo para venda de madeira e telhas.
A rota que ficou conhecida como "Caminho do Mar de Espanha", ligando o antigo arraial do Cágado - atualmente municipio de Mar de Espanha, MG - ao Rio de Janeiro, teve necessariamente que ser direcionada ao posto da Pampulha, seu destino final. O "Caminho do Mar de Espanha" foi a primeira rota auxiliar do "Caminho Novo" a ser oficializada ainda no século XVIII pela coroa portuguesa. Aredita-se que a via tenha surgido a partir de uma antiga trilha de contrabando de ouro, inicialmente partindo de Minas, e na altura da travessia do rio Paraiba do Sul, conduzia forasteiros atraves do "sertão desconhecido" da coroa, na direção de Inhomirim e Magé. Teria o "Capitão Tira Morros" então ligado essa via a Sebolas, desde a margem fluminense do dito caminho, entre Minas e Rio de Janeiro. Esse fato, se verdadeiro, explicaria, justamente nessa época, o inicio da exploração da banda leste da antiga vila da Paraiba, com a edificação dos "Portões", onde era cobrado o pedagio pela passagem em terras particulares. Surgiria posteriormente então na primeira década do séc. XIX, a fazenda que recebeu o nome de Bemposta, edificada por José Antonio Barbosa - capitão Tira Morros - e sua esposa Mariana Jacinta de Macedo, que enviuvara do capitão Antonio Barroso Pereira, o verdadeiro requerente daquelas sesmarias. Posteriormente, surgiria na margem da antiga trilha mencionada daquele sertão, após a travessia do Paraiba em direção sudeste, a fazenda Sant'Anna edificada em 1813 por Magadalena Maria Barroso Pereira e seu marido Damaso José de Carvalho.
Infelizmente desde o dia 25 de julho de 2008, após eu ter remetido correspondencia ao Ministerio da Cultura e Ministerio Publico Federal, no sentido de uma tomada de posição do governo federal relativamente ao tombamento daquele sitio historico único do "Caminho Novo" na "Variante Proença", nada foi feito até hoje. Após varios contatos com o IPHAN de Petrópolis, autarquia indicada pelo Ministerio da Cultura para que tal tarefa fosse levada a termo, tudo continua como estava. Recentemente aquele sitio arqueologico foi adquirido para ser transformado em um aras particular, sem que o IPHAN tenha tomado qualquer iniciativa, mesmo após eu ter escrito carta a sua diretora regional, srª Érika Pereira Machado, que nunca retornou dando a menor satisfação. Alem disso, a prefeitura de Paraiba do Sul, maior interessada na preservação de seu mais antigo patrimonio histórico existente, nunca deu a menor importancia à Pampulha e seu entorno.
De qualquer modo, a carta direcionada aos órgãos publicos federais citados com fotografia que realizei antes e depois dos estragos realizados pelo vendedor daquele sito historico, está registrada em cartório no minicípio de Petrópolis. Fica registrado aqui, que o IPHAN e a Prefeitura de Paraiba do Sul, são os orgãos responsaveis pela preservação daquele único e precioso sitio historico da Pampulha, uma vez que, houve delegação do Ministério Público Federal para que providencias fossem tomadas.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

HISTORICO DA FAZENDA SANTAREM

A fazenda Santarem em Bemposta, distrito de Tres Rios no Rio de Janeiro, surgiu graças ao desmembramento de terras da fazenda Sant'Anna, localizada no distrito de Anta, pertencente ao municipio de Sapucaia, cuja sede já não existe, restando no local, apenas vestigios de seus alicerces. A antiga sede da fazenda Sant'Anna ficava situada na margem direita do rio Calçado que tem suas aguas ali fluindo em superficie lageada, fato que originou o nome do rio. A edificação da sede foi totalmente concluida no ano de 1813 pelo casal Damaso Jose de Carvalho e Magdalena Maria Pereira de Carvalho. Estes os pioneiros desbravadores desses sertões que tiveram origem em sesmarias concedidas pela coroa portuguesa ao capitão Antonio Barroso Pereira. O capitão era portugues oriundo de Salto, da comarca de Chaves,PT; se instalara na região de Sebolas fundando a fazenda do Mato Grosso no ano de 1784. Ele era homem maduro e viera de Minas Gerais recem casado com a jovem Mariana Jacinta de Macedo, nascida na fazenda "Ribeirão dos Cavalos" em N.S. da Piedade do Rio Grande, São João del Rey. Ela era filha de Maria de Carvalho Duarte e José Rabello de Macedo, neta materna de Caetano de Carvalho Duarte e de Catarina de São José, pioneiros e donos da fazenda de São Miguel do Cajurú, São João del Rey.
Catarina era filha de Antonia da Graça, e sobrinha de Julha Maria e Helena Maria, as tres irmãs e famosas ilhôas de Minas Gerais, de acordo com a obra de José Guimarães. As terras da fazenda Santarem são oriundas da fazenda Sant'Anna, que por sua vez,teve origem em terras que eram originalmente pertencentes as da fazenda da Bemposta. Todas essas terras se encontram em sesmarias requeridas pelo capitão Antonio Barroso Pereira, que pleiteou uma parte em seu nome e outra em nome de sua esposa Mariana. Tais sesmarias abrangiam imensa área territorial da banda leste da freguesia da Paraiba, onde surgiria o "Caminho do Mar de Espanha". Atualmente conhecida como cidade de Paraiba do Sul, a antiga freguesia alcançou a condição de municipio no ano de 1834, tendo como um de seus fundadores, Antonio Barroso Pereira (1792-1864), que posteriormente receberia o titulo de 1º barão de Entre Rios. Ele era homonimo e unico filho do capitão Antonio e irmão de Magdalena Maria Pereira de carvalho (1879-1871).
O capitão Antonio havia dado baixa da carreira militar em Vila Rica no inicio da gestão de D. Rodrigo José de Menezes (depois conde de Cavalheiros), que veio de Portugal para governar a capitania de Minas no ano de 1781. O jovem governador era descendente dos condes de "Catanhede" e "Marialva", estes da poderosa familia Coutinho, uma das mais influentes no reino de Portugal.
Após denuncias que chegaram a Vila Rica dando conta de garimpos clandestinos proximo ao rio do Peixe, afluente do Paraibuna, o governador tomou a iniciativa de mandar lavrar alvarás de posse de terras na região e ocupar a área, incorporando tributos à coroa. Isso ficou a cargo do corregedor Luis Beltrão de Gouveia e Almeida, que lavrou os primeiros alvarás de terra na região, antes mesmo do conhecimento de D. Martinho de Mello e Castro, então ministro do "Concelho Ultramarino" na Metropole.
Luis Beltrão seria mais tarde fiscal dos negócios de diamantes da coroa no Tijuco, atual municipio de Diamantina em Minas Gerais. Isso ocorreu de fato a partir do ano de 1785 quando assumiu o posto de 8º Intendente dos Negócios de Diamantes da coroa, um contemporaneo seu da Universidade de Coimbra. Tratava-se do desembargador Antonio Barroso Pereira, que viera de Portugal por nomeação de D. Maria I para ser fiscal de extração de diamantes em Vila do Principe, depois Serro do Frio. O desembargador Antonio era sobrinho, afilhado e homonimo do capitão Antonio Barroso Pereira, que era irmão de João Barroso Pereira, desembargador do tribunal da Relação da cidade do Pôrto, e pai do 8º Intendente.
Diante da grande amizade entre ambos, Luis Beltrão acabou por se tornar padrinho de Luis, o primeiro filho do desembargador Antonio. O menino que recebeu o nome do padrinho, foi batizado na capela de Santo Antonio do Tijuco no ano de 1785.
Luis Barroso Pereira se tornaria o mais celebre oficial da marinha imperial brasileira, formado na Real Academia de Marinha de Lisboa, com passagem pela Real Academia Naval Britanica. Ele notabilizou-se no rio Tejo sob o comando de Arthur Wellesley - futuro Duque de Wellington - na longa batalha de Santarem no ano de 1811 contra as tropas de Napoleão Bonaparte. O bravo oficial teria popsteriormente destacada participação na expulsão da esquadra de Portugal de aguas brasileiras durante as guerras da independencia, quando era imediato da fragata Nicteroy sob o comando do capitão Jhon Taylor.
Luis era interprete de Taylor e foi habil negociador no episódio da "Confederação do Equador" em Pernabuco no ano de 1824, quando por reconhecimento, recebeu de D. Pedro I a "Ordem do Cruzeiro".
Sua ultima atuação como notavel oficial da armada imperial brasileira ocorreu durante o ataque de uma esquadra Argentina comandada pelo alte. Williann Brown no ano de 1826. Luis Barroso Pereira era então capitão de Mar e Guerra e comandante da Fragata "Imperatriz Leopoldina" que se encontrava fundeada no porto de Montevideo. Apesar do ataque de seis navios inimigos, a Imperatriz resistiu de forma notavel, surpreendendo e repelindo a esquadra inimiga. Apesar de sua ousada tatica de contra-ataque, Luis pereceria da mesma forma que seu mestre "Nelson" em "Trafalgar", venceu e perdeu a vida no conflito.
Não por coincidencia, surgiu na ocasião, a famosa marcha atribuida a D. Pedro I, que se tornaria o hino da independencia do Brasil.
Dentre seus discipulos, há destaque para o marques de Tamandaré,portugues que se notabilizaria na guerra do Paraguay; que fôra seu tenente ao tempo da fragata Nicteroy. A primeira participação de Luis Barroso Pereira em combate ficaria mais tarde registrada por seu primo Mariano José Barroso de Carvalho, que denominaria de Santarem, sua bela fazenda de café em Bemposta. Mesmo falecido quatro anos após a independencia do Brasil, Luis Barroso Pereira teria sua notavel carreira lembrada por muitos anos. ele teve sua biografia registrada bem mais tarde, em tocante biografia escrita pelo barão do Rio Branco.
Com a morte do capitão Antonio Barroso Pereira, sua jovem viuva veio a se casar com José Antonio Barbosa, nascido na fazenda Sebolas, na freguesia da Paraiba. Este ficaria conhecido mais tarde como capitão "Tira Morros", alcunha ofertada por D. João ainda regente, e residente no Brasil, que se tornara a capital do reino a partir de 1808.
Por volta de 1804, o capitão José Antonio Barbosa daria inicio a ocupação das terras da banda leste da Paraiba que haviam sido requeridas pelo finado marido de Mariana Jacinta. É louvavel lembrar que, para receber tantas terras, o capitão Antonio Barroso Pereira, alem de seus atributos familiares junto à coroa, teve certamente, a participação efetiva do compadre e amigo de seu sobrinho homonimo aqui já citado Luis Beltrão de Gouveia e Almeida. Na ocasião da concessão, luis Beltrão era chefe do "Conselho Ultramarino" no Rio de Janeiro, órgão administrativo maximo do reino na colonia. A concessão de sesmarias passava inexoravelmente pelo crivo do conselho...
O capitão Antonio Barroso Pereira era oriundo de Santa Maria do Salto, um histórico lugar em Portugal, de onde Barrosos e Pereiras descendem dos mais antigos e ricos propritarios de terras daquele reino absolutista e essencialmente partrimonialista. De Salto eram oriundos os ancestrais de todos os Duques de Bragança, inclusive, o regente D. João, um legitimo descendente de D. Nuno Alvares Pereira e sua mulher e prima Leonor Alvim Barroso. Desse modo, é possivel compreender porque José Antonio Barbosa na condição de marido da viuva do capitão Antonio Barroso Pereira, teve a posse de tão vasto territorio. Por isso mesmo, após o falecimento de Mariana Jacinta no ano de 1833, a maior parte das melhores terras da Bemposta couberam a Magdalena Maria e seu irmão Antonio Barroso Pereira, restando uma pequena parte no alto da serra do Mundo Novo aos dois herdeiros que o capitão Tira Morros tivera em solteiro.
Com o desmembramento natural das terras da fazenda Bemposta, cuja sede foi erguida no ano de 1805, e da qual a fazenda Sant'Anna foi a primeira a ser desmembrada, todas as demais foram surgindo sucessivamente dessas duas durante o inicio do período cafeeiro.
A fazenda de Santarém teve sua sede edificada depois de 1840, quando do enlace entre Mariano José Barroso de Carvalho e Isabel leopoldina dos Santos Werneck. Ele recebeu as terras - desmembradas da fazenda Sant'Anna - de sua mãe Magdalena Maria Pereira de Carvalho, já viuva do alferes Damaso José de Carvalho desde 1832. Oficialmente as obras da sede da historica fazenda de Santarem foram finalizadas no ano de 1851.
Sua ampla sala de espera possuia inicialmente, magníficos afrescos com cenas de guerra, que lembravam cenas do conflito da "Batalha de Santarem" em Portugal por volta de 1811. Na sala de jantar, os afrescos eram de paisagens da fauna e flora, com cenas suaves de inumeros passaros e outros animais silvestres. Na fazenda Santarem nasceu José Antonio Werneck de Carvalho o primeiro filho do casal. Isabel Leopoldina ficou viuva aos cinco meses de gravidez do seu segundo filho Antonio José, que nasceria na fazenda Boa União em Entre Rios, pertencente à sogra Magdalena Maria. Isabel Leopoldina se casou depois com o cunhado Antonio José Barroso de Carvalho - por interferencia dos cunhados, o visconde e a viscondessa do Rio Novo - e tiveram os filhos, Deolinda, Magdalena, Anna, Josino Antonio, Damaso José, Guilherme José e Verginia. Isabel Leopoldina era filha de Antonio Luis dos Santos Werneck, que paulatinamente foi adquirindo terras por desmembramento da fazenda Sant'Anna, após ter adquirido a terça parte da metade da fazenda Bemposta, que coubera ao irmão de Magdalena Maria. Antonio Luis já havia edificado a sua primeira fazenda a qual denominara Boa Vista. Desta ele desmembraria as terras das fazendas Castelo e Recreio, brindadas aos filhos José Francisco - o mais velho e fundador do futuro distrito de N.S. da Conceição da Bemposta - e Luisa Maria respectivamente. Antonio Luis continuaria a arrendar e adquirir outras terras alem do morro de Sant'Anna em Bemposta, desse modo, tornar-se ia um dos maiores produtores de café de sua época. Com o tempo foi distribuindo suas terras aos filhos e sobrinhos que se casavam entre si, desse modo, apareceram as demais sedes de fazendas da bacia do rio Calçado, como, Cataguá, Retiro, Paciencia, Olaria e Santa Juliana. A ultima, viria a ser adquirida e edificada por e Luis Vieira Machado, irmão de Anna Maria da Assumpção,a esposa de Antonio Luis dos Santos Werneck. O vale do rio Calçado, desse modo, foi colonizado por Magdalena Maria Pereira de Carvalho inicialmente, seguida por Antonio Luis dos Santos Werneck - que lhe adquiria paulatinamente terras desmembradas da pioneira Sant'Anna - do cunhado deste, Luis Vieira Machado, assim como, de Guilherme de Araujo Franco, seu primo, que no alto Calçado, edificou a fazenda Bela Esperança. Houve ainda João de Sousa Werneck - primo irmão germanico de Antonio Luis - que edificou a fazenda Belem, tambem no alto Calçado. A fazenda Aguas Claras, na margem direita do Rio Preto, tambem foi edificada pela familia Araújo Franco após a guerra do Paraguay. As demais que surgiram, foram sendo edificadas pelos filhos dos pioneiros, ou seja, as denominadas fazendas de segunda e terceira geração, como Mundo novo, Harmonia, Aliança,Floresta, São Sebastião, São Joaquim, Cruzeiro e São João.
Após o falecimento de Antonio José Barroso de Carvalho, Isabel leopoldina foi morar com a filha Magdalena que residia com o marido Nicolau Antonio dos Passos na fazenda "Cruz das Piteiras", proxima ao atual distrito de Inconfidencia. Nicolau era irmão do marido de sua cunhada Anna, que era homonimo do pai, o comendador Joaquim Antonio dos Passos, dono da fazenda Santa'Anna do Alto do Pegado em Secretario. O comendador Joaquim exportava seu café diretamente de seus trapiches no porto do Rio de Janeiro. Homem riquissimo, ele edificou o magnífico palacete da av. Koeller em Petropolis, onde atualmente funciona o Hotel Solar do Imperio.
Após a morte do pai, Damaso José Werneck de Carvalho vendeu a fazenda da Aliança, onde nasceram suas duas primeiras filhas, Elazir e Octaline. Após entendimento com a mãe e seus irmãos _ frutos dos dois casamentos de sua mãe - Damasinho se tornaria o 3º senhor da fazenda Santarém. Ali com sua bela Francisca Augusta Rangel da Silveira (Chiquinha), teriam o unico filho Alynthor, e as filhas Irisval e Ulzimar. Chiquinha era amiga de outra e famosa homonima, a "Chiquinha Gonzaga". Elas se conheceram em um conservatório de musica na rua São Francisco Xavier no Rio de Janeiro, próximo de onde a outra veio residir com o pai Tristão Eugenio Crispiniano da Silveira Gomes e irmãos, após o falecimento da mãe Candida Augusta Rangel de Azeredo Coutinho. No conservatório se iniciara a amizade e a posterior parceria que seria interrompida com a morte tragica de Chiquinha na fazenda de Santarem por complicações com uma gravidez no ano de 1896.
Com o falecimento de Chiquinha, toda a musicalidade e explendor de Santarem se foi. Sua irmã Candida Augusta, mais conhecida como Candinha passou a cuidar dos sobrinhos como se mãe deles fosse. Apesar de comprometida, ela renunciara ao noivado para criar seus sobrinhos.
Irisval, minha avó, antes de iniciar sua trajetoria no colegio Santa Isabel em Petrópolis, foi alfabetizada na fazenda por Albina Teresa Marques de Abreu. Esta inesquecivel preceptora, que era irmã caçula do poeta Casemiro de Abreu, tambem lecionava francês e piano as filhas de Damasinho e Chiquinha. Ela foi apresentada a Damasinho, por seu cunhado Evaristo da Costa Cabral, marido de Deolinda. Os anos se passaram e depois de quase todos filhos casados, Candinha finalmente aceitou casamento de conveniencia com Damaso José, que dessa forma, acreditava deixar amparada a cunhada e tambem evitar a venda da fazenda, apesar de todas as crises que a cultura cafeeira enfrentava de forma cronica.
De problemas cardiacos Damasinho faleceria no ano de 1916, ficando Candinha com metade da fazenda e o restante para os filhos.
A contragosto paterno, Octaline se casara com o primo materno Edgard Silveira de Sousa, que adquiriu as partes dos cunhados, exceto da tia Candinha que era irmã de sua mãe Ambrosina Augusta e lhe passara sua metade.
Dividindo-se entre Petropolis e a fazenda de Santarem, Edgard resolveu vender a propriedade após a constatação do quadro de leucemia da esposa. Nessa ocasião, surgiu como intermediario na transação, um dos filhos de Elazir, que ambicionava a fazenda. Ele foi empregado na Companhia America Fabril atraves - do marido de sua tia Irisval - de Paulo Venancio da Rocha Vianna, procurador geral daquela que era a maior industria textil do mundo. Paulo era terceiro acionista, amigo e sócio de Demócrito Seabra, que detinha o controle acionário da companhia.
Flavio Damaso de Carvalho Werneck vislumbrava a possibilidade de realizar o negocio da venda da fazenda para Antonio Lartigaut Seabra, irmão de Demócrito. Após grande insistencia de Flavio, o negocio foi realizado, tendo ele se tornado administrador da fazenda de Santarem; abandonado o emprego na companhia America Fabril.
Com prejuizos acumulados rapidamente, Antonio L. Seabra descontente, acabou por aceitar vender a fazenda por nova insistencia de Flavio, que a adquiriu em "interminaveis" prestações.
Para pagar a fazenda, Flavio demarcou e desmembrou parte da mesma de modo a sinalisar o pagamento. A parte desmembrada incluia a antiga venda - e agencia dos Correios - da fazenda, que foi adquirida por Fritz Born por influencia do proprio Flavio Werneck, que o conhecera no tempo em que residiu no Rio de Janeiro. Fritz era cunhado de Laïta, prima de Flavio e filha de Paulo Venancio da Rocha Vianna e Irisval Werneck de Carvalho Vianna.
Em pouco tempo, no ano de 1950, Fritz desiste de sua parte da fazenda Santarem, mas a vende a Rodolpho Born Jr, seu irmão; marido de Laïta. Tal fato desagradou profundamente a Flavio, que dava como certa a reintegração da posse daquela parte preciosa da fazenda oportunamente.
Mais de duas decadas se passaram, até que, após a morte de Flavio Damaso de Carvalho Werneck, sua viuva e filhos, venderam a fazenda de Santarem para o empresário carioca Olavo Egydio Monteiro de Carvalho. Este posteriormente adquiriu as fazendas Harmonia e Floresta - outrora herdadas e edificadas pelos irmãos Antonio José e Guilherme José Werneck de Carvalho respectivamente -, cujas terras, haviam sido pertencentes à pioneira fazenda Sant'Anna. Nota. O morro de Sant'Anna em Bemposta ficou conhecido como tal, por ser citado naturalmente pelas pessoas, que desse modo, faziam alusão o local onde começavam as terras dessa fazenda, desde 1834, quando as terras da fazenda da Bemposta foram divididas entre os irmãos Antonio Barroso Pereira e Magadalena Maria. O morro de Sant'Anna fica defronte - a não mais existente - sede da fazenda Santa Juliana e servia de rumo com a fazenda do Recreio, cujas terras haviam sido desmembradas da fazenda da Boa Vista, a pioneira de Antonio Luis dos Santos Werneck em Bemposta. Ambas foram retratadas pelo famoso pintor bávaro Johann Georg Grimm, que pintou ainda em oleo sobre tela, as fazendas: Santarem, Retiro, Cataguá, Belém, Bela Esperança, Aliança e Floresta, todas na bacia do rio Calçado.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A ocupação do vale do rio calçado

O rio Calçado surge na serra do Capim exatamente entre os atuais municipios de Sapucaia, Sumidouro, Teresópolis, Tres Rios e São José do Vale do Rio Preto. Suas águas descem caprichosamente as faldas opostas das serras que separam as águas dos rios Preto a oeste e Paquequer a leste. Paulatinamente elas correm numa interminavel sequencia de curvas, sempre banhando os contrafortes e várzeas que vão surgindo desde seu terço mais alto, trazendo aluvião durante as cheias; espalhando a preciosa matéria fertil pelas várzeas que banha até sua foz, onde desagua diretamente no rio Paraiba do Sul.
O alto Calçado separa os municípios de Sapucaia e São José do Vale do Rio Preto, assim como, Sapucaia e Tres Rios desde o seu terço médio até a foz. Sua bacia era reduto de segmento de tribos Purys e somente recebe o elemento europeu a partir do séc. XVIII, quando os mesmos possivelmente utilizaram as trilhas desses nativos com o propósito de burlar os "Registros" - de Paraibuna em MG e Pampulha em Sebolas, RJ - ao longo do "Caminho Novo". Desse modo, contrabandeavam o ouro trazido de Minas Gerais, atravesando a zona da mata passando pelo "Arraial do Cágado" - atual município de Mar de Espanha- e depois Chiador, por onde atravessavam o rio Paraiba do Sul no local conhecido como Porto Velho. Já em terras fluminenses, na margem direita do Paraiba, seguindo o ribeirão da Grama em sentido sudeste, subiam a serra da Arataca, onde no primeiro contraforte após um altiplano faziam pouso para descanço e preces ao pé da imagem de Santo Antonio. Naturalmente que o contrabando do ouro só poderia ter sequencia nesse determinado ponto próximo ao "Caminho do Mar de Espanha", que obviamente receberia tal denominação bem posteriormente. É certo, que os primeiros caminhos surgiam a partir das trilhas que os próprios indios utilizavam, invariavelmente entre os rios e as áreas mais elevadas que habitavam para cultivo da mandioca especialmente; fora do alcance das cheias.
Curiosamente com a imagem de Santo Antonio sempre renovada, o local de reza, existe desde tempos remotos segundo a antiga tradição local. Tão verdadeiro é o fato, que anualmente, do mesmo modo, é celebrada a festa secular de Santo Antonio, o legítimo padroeiro do lugar, que tem essa denominação e pertence a Anta, 2º distrito do atual municipio de Sapucaia. Tal municipio surgiria somente após decreto provincial de 25 de fevereiro 1885, recebendo a denominação de Santo Antonio da Sapucaia, justamente devido a antiga tradição. É importante ressaltar, que a "Vila de Anta" já era povoada no ano de 1834, quando Gardner relata a construção de uma ponte de madeira na travessia do Paraiba, no local da atual de concreto existente entre Minas Gerais e Sapucaia no Rio de Janeiro. O autor britânico menciona que existiam apenas ali naquele sertão, umas quatro casinhas habitadas pelos operarios que edificavam a ponte que levava à fazenda do Louriçal, onde se hospedara em terras mineiras. Fica compreensivel que a ocupação do território leste da Paraiba se deu a partir de Santo Antonio, o local de culto antigo próximo à margem do "Caminho do Mar de Espanha". O atalho seria utilizado na primeira década do séc. XIX por Magdalena Maria Pereira, que ao tomar posse de sua parte na partilha da fazenda da Bemposta, edificaria a fazenda Sant,Anna. Após a travessia do local de culto e da serra da Arataca, Magdalena Maria e Damaso José de Carvalho resolveram edificar a sede próxima a uma área vastamente lageada do rio, que por isso mesmo, foi denominado Calçado. Concluida no ano de 1813, a fazenda recebeu a denominação em homenagem a Sant'Anna de Sebolas, onde Magdalena Maria fôra batizada no ano de 1789, assim como, seu irmão Antonio Barroso Pereira (1º barão de Entre Rios), em 1792.
Após a edificação da fazenda Sant,Anna e a ocupação de suas terras, Magdalena Maria edificaria a primeira capela de Sant'Anna no local onde se desenvolveria o arraial e posteriormente a vila de Anta. Nas terras da "BarraD'antas", fazenda que couberia ao filho caçula Damaso José Barroso de Carvalho Jr, teve origem o nome da vila, atualmente 2º distrito de Sapucaia. Na tradição oral familiar, consta que D. Pedro II certa vez, hospede de Damaso Barroso de Carvalho Jr, se apaixorara pela vista da barra do alto da colina. No local, o imperador do Brasil mandaria edificar a graciosa sede em forma de cruzeiro, desse modo, demostraria a gratidão pela hospitalidade; ficaria mais a vontade para fazer uso da residencia sempre que desejasse. Ali ele descançou por algumas vezes, especialmente em suas andanças por, Porto Novo, Cataguases, Leopoldina, Carmo, Cantagalo, etc. A pequena sede resiste ao tempo e ao descaso com sua conservação, e ainda ostenta a escadaria em pedras brutas de granito, que ofereçe acesso desde a colina à linha do trem, pouco antes da estação de Anta. A escadaria presente reforça a tese de que ali naquele exato local, o trem com a comitiva real fazia sua parada fora do ponto oficial da estação, desse modo, oferecendo acesso direto à residencia.
Após a edificação da fazenda Sant'Anna do Calçado, que teve inicio no ano de 1820 nas terras altas do histórico rio, a fazenda Sant'Anna sofreria inumeros desmembramentos. Isso veio a ocorrer devido ao falecimento no ano de 1832 de Damaso José, marido de Magdalena Maria. Proprietária das fazendas Boa União e Piracema em entre Rios, alem de interessada na Mato Grosso fundada por seu pai, Magdalena Maria dividiria grande parte das terras de Sant'Anna entre seus filhos, alem de arrendar outras grandes áreas para cultivo de café. A sede coube ao filho Antonio José Barroso de Carvalho, que mais tarde, desmembraria terras para seus tres filhos Homens.
Por volta de 1840, houve o desmembramento de pouco mais de 100 alqueires de terra, que Magdalena Maria presenteou o filho Mariano José Barroso de Carvalho, por seu casamento com Isabel Leopoldina dos Santos Werneck, filha de seu leal parceiro Antonio Luis dos Santos Werneck. Desse modo, surgiu a segunda fazenda genuinamente de café do vale do rio Calçado que recebeu a denominação de Santarém. A denominação foi uma singela homenagem ao primo de Mariano José que se notabilizara na batalha de Santarém em Portugal no ano de1811 contra as tropas de Napoleão Bonaparte. Luis Barroso Pereira, o intrépido brasileiro que comandara as terriveis canhoneiras que destruiam seguidamente a ponte sobre barcos que os franceses obstinadamente tentavam construir no rio Tejo. Luis faleceu tragicamente no ano de 1826 no comando da fragata Imperatriz então fundeada no porto de Montevideo, atacada por uma esquadra argentina comandada pelo alte. Willian Brown durante as guerras da banda oriental. A morte do lendário oficial da armada imperial, que se formara na Real Academia de Lisboa, com passagem pela Real Academia Britanica; ex comandado de Wellington na batalha de Santarém, enlutara não somente a familia, mas a todo imperio brasileiro. A biografia de Luis Barroso Pereira foi escrita pelo barão do Rio Branco, cuja geração, ainda alcançou a repercussão do mais prodigioso oficial e diplomata da real armada do império do Brasil. Luis, recebeuo nome de seu padrinho de batismo Luis Beltrão de Gouveia e Almeida ao ser ungido com os santos oleos na matriz de Santo Antonio do Tijuco no ano de 1785, quando seu pai exercia o cargo de 8º Intendente dos Negócios de Diamantes da rainha D. Maria I de Portugal.
Após o desmembramento da fazenda Santarém, N.S. da Conceição da Bemposta surgia como vila, fundada por José Francisco dos Santos Werneck, irmão mais velho de Isabel Leopoldina. Nessa ocasião ocorreram varios desmembramentos da fazenda Sant'Anna em beneficio de Antonio Luis dos Santos Werneck, que atuando como meeiro, pagava suas terras com o produto das lavouras de café. Surgiram desse modo, as fazendas Cataguá e Retiro quase simultaneamente, sendo que a primeira teve sede edificada por Fernando Luis dos Santos Werneck, irmão de Isabel Leopoldina, que era casado com sua prima irmã Galdina do Carmo, filha de Luis Barbosa dos Santos Werneck. A fazenda do Retiro foi edificada por Manoel Luis dos Santos Werneck, filho mais velho de Fernando Luis dos Santos Werneck, que por sua vez era padrinho de seu sobrinho homônimo proprietario da fazenda do Cataguá. Manoel Luis dos Santos Werneck casou com Maria Delphina Passos, filha de Ana Maria da Assumpção, que uma vez viúva de Joaquim Machado, casou com Antonio Luis dos Santos Werneck. Ana Maria era filha primogenita do segundo casamento de Antonio Vieira Machado, fazendeiro em Sacra Familia do Tinguá, contemporaneo do capitão Antonio Luis dos Santos que foi pai de Antonio Luis dos Santos Werneck. Antonio Vieira Machado, foi sogro ainda de Luis Barbosa dos Santos Werrneck e Francisco Luis dos Santos Werneck, ambos filhos do capitão Antonio Luis dos Santos.
Antes do inicio da guerra do Paraguay, várias outras fazendas foram sendo edificadas por filhos e sobrinhos de Antonio Luis dos Santos Werneck. Desse modo, surgiram pela ordem, as fazendas Santa Juliana, Olaria e Paciencia. Por outro lado, terras da fazenda Boa Vista, que Antonio Luis dos Santos Werneck adquirira em 1837 do irmão de Magdalena Maria por desmembramento da fazenda da Bemposta, eram desmembradas. Surgiram desse modo, as fazendas do Castelo, erguida por José Francisco dos Santos Werneck, e posteriormente a fazenda do Recreio, edificada por Francisco Inácio dos Santos Werneck e Luisa Maria.Tanto José Francisco como Luisa Maria, eram filhos de Antonio Luis dos santos werneck. A fazenda Boa Vista coube a Inacio Barbosa dos Santos Werneck, que ao se casar com a prima Amélia, irmã de Francisco Inácio e Manoel Luis, alterou a denominação para fazenda Boa União. Após curto período, o futuro barão da Bemposta venderia a fazenda para seu primo Antonio Sousa Leite que era irmão de Augusto Sousa Leite, futuro barão de Águas Claras, que se tornaria proprietario da fazenda de mesma denominação situada em São José do Vale do Rio Preto.
A Fazenda das Águas Claras é da mesma época da fazenda Bela Esperança; ambas são posteriores a fazenda Belem erguida por João dos Santos Werneck, que era primo irmão germânico de Antonio Luis dos Santos Werneck. Estas tres ultimas tambem surgiram antes do inicio da Guerra do Paraguay, assim como a de Santa Cruz, edificada por Saturnino dos Santos Werneck, filho de João. Houve ainda a fazenda Santa Rita em Aparecida, que foi edificada no inicio de 1840 e que pertencia a parentes de Damaso José de Carvalho. Infelizmente a bela e magestosa sede foi posta abaixo por volta do ano 2000.
Muitos filhos desses fazendeiros e de seus proximos em Vassouras e Valença pereceriam no "Chaco Paraguaio" entre alguns escravos das mesmas fazendas. Durante e após a mais terrivel guerra de nossa historia, apareceriam as fazendas ditas de terceira geração, ou seja, a dos netos de Magdalena Maria. Na fase inicial do conflito, houveram ainda algumas edificações de certo requinte arquitetonico, como as fazendas São João, São Sebastião e Mundo Novo. Destas ultimas, resta apenas a São João, mas todas oriundas de desmembramento de terras de Sant,Anna.
Após a guerra do Paraguay, o Brasil empobrecido graças ao esforço de guerra, haveria outro fator internacional que provocaria grandes danos a denominada aristocracia rural cafeeira. A manipulação internacional do comercio de café com base na bosa de Londres, pois novos paises produtores entraram no mercado facilitando a manipulação do preço da saca. Tal situação iria trazer trágicas consequencias que tambem influenciariam no golpe militar de 1889, com a instauração da república. Muitos historiadores apontam a abolição como a principal causa, o que não passa de retórica, pois mesmo bem antes do golpe, havia extensa mão de obra importada, especialmente de Portugal. Muitos descendentes desses portugueses e açorianos tardios, vieram a utilizar a lei do usocapião e se tornaram proprietários de algumas dessas fazendas, estimulados pela politica demagogica de Ruy Barbosa. São exemplos dessa pratica, as fazendas Sant,Anna, Retiro, Harmonia, São João e São Sebastião entre outras.
As fazendas tardias como mencionado, foram aquelas de sedes de aspecto arquitetonico medíocre, reduzidas extensões de terras e todas edificadas após 1865. A fazenda da Aliança foi edificada por Damaso José Werneck de Carvalho, que posteriormente se tornaria 3º senhor da fazenda Santarém. A fazenda da Harmonia, foi o primeiro desses exemplos e edificada por Antonio José Werneck de Carvalho, que era o segundo filho de Mariano José e Isabel Leopoldina. Posteriormente, ele adquiriu de seus tios a fazenda Santa Juliana, mas os tres filhos que teve com Isabel Inacia do Nascimento Vieira, nasceram na fazenda da Harmonia. Foram eles: Arlinda, Evangelina e Celso Vieira Werneck de Carvalho. Na ocasião da mudaça para a fazenda Santa Juliana, Antonio José acatando o pedido da cunhada Francisca Augusta Silveira Werneck de Carvalho, cedeu a fazenda da Harmonia para o irmão desta, Eugenio Tristão Rangel da Silveira que habitava no Mosquital com mulher e muitos filhos pequenos e em condições precárias. Mosquital é um lugar inóspito que fica situado no alto do Cruzeiro, terra alta que pertencia a fazenda do Cataguá, onde residia Tristão Camara, sogro de Eugenio Tristão e feitor e agricultor de Fernando Luis dos Santos Werneck. A terceira filha de Tristão Camara teve como padrinhos os donos da fazenda do Cataguá, tendo recebido o nome da madrinha Galdina do Carmo. Mais tarde, Galdina do Carmo Camara, viria a se casar com Manoel Alves e seriam pais de Tristão Alves Camara, que por sua vez, contrairia matrimonio com Maria Emilia, filha de Emerenciana Augusta - irmã caçula de Francisca Augusta - exposa de Gustavo Lessa.
A fazenda da Floresta, do mesmo modo que Harmonia e Aliança, surgiu atraves do desmembramento de terras da Sant'Anna, que Antonio José Barroso de Carvalho doou ao filho Guilherme José Werneck de Carvalho. Mais tarde ele compraria de seu cunhado Nicolau Antonio dos Passos, a fazenda do Alto do Pegado em Secretário. A fazenda Sant'Anna coube ao outro filho Josino Antonio Werneck de Carvalho e daí a seus herdeiros, até que por usocapião fosse abocanhada por J. Moita de Assunção, portugues analfabeto que ali habitava. Verdadeiramente a crise do café no inicio do séc. XX, associada a política de Ruy Barbosa e o alto custo de manutenção das fazendas que passavam a pecuaria leiteira, alem dos problemas de desavenças entre herdeiros, colaboraram com apropriação das mesmas através da lei do uso do solo de 1842.
Durante a ditadura Vargas, a estrada Rio Bahia utilizaria a rota do Caminho do Mar de Espanha desde Bemposta, quando abandonava a estrada União e Industria que se dirigia à Juiz de Fora, e atingia Alem Paraiba - antiga Porto Novo do Cunha, denominação esta ofertada por Tiradentes - depois de passar por Anta e Sapucaia no Rio de Janeiro. Até essa ocasião, somente de trem, se atingia a villa de Anta, com parada anterior em Chiador e posterior em Sapucaia.

domingo, 21 de novembro de 2010

O CAMINHO DO MAR DE ESPANHA

"O Caminho do Mar de Espanha" era uma via que surgiu entre o antigo arraial do Cágado na zona leste da serra da Mantiqueira em Minas Gerais e o de N.S. de Sant'Anna de Sebolas, no Rio de Janeiro. Atualmente, no lado mineiro, o antigo arraial do Cágado é o conhecido municipio de "Mar de Espanha", e no lado fluminense, o arraial de Sebolas se transformou em Sant'Anna de Tiradentes, que atualmente é o distrito de "Inconfidencia", pertencente ao municipio de Paraiba do Sul.
É importante resgatar a lembrança dessa via para o contexto da historia do Brasil, uma vez que, parte dela será inundada pela represa ora em construção entre o municipio mineiro de Chiador e o distrito fluminense de Anta pertencente ao municipio de Sapucaia.
"O Caminho do Mar de Espanha" surgiu da necessidade que os habitantes do arraial do Cágado e cercanias tinham para seguir em direção ao Rio de Janeiro, sem ter de passar pela vila da Paraiba, desse modo, encurtando a distancia do percurso.
O adensamento populacional da região, aumentou consideravelmente após à expedição de alvarás de posse de terra lavrados desde a gestão do capitão general de Minas, D. Rodrigo José de Menezes.
A partir de 1781, após incursão pelos sertões de leste da serra da Mantiqueira ou "zona da mata", o jovem governador então com 28 anos de idade, percebeu a necessidade de legalizar a situação de habitantes clandestinos naquelas terras. Tais nucleos, desenvolviam atividades de garimpo, assim como, cultivavam roças de subsistencia e criação. Pela lei vigente havia invasão dos "Sertões Proibidos", denominação dada pela coroa aquelas imensas áreas de florestas não cartografadas e ainda desconhecidas. A proibição era inerente ao contrabando de ouro, algo indesejavel aos interesses da metrópole, alem do alto custo da cartografia dada as dimensões da colonia.
Diante das circunstancias; constatando a inexistencia de ouro D. Rodrigo Menezes não perdeu tempo; antes mesmo de pedir autorização a D. Martinho de Mello e Castro - ministro do Conselho Ultramarino em Lisboa - determinou ao jovem corregedor Luis Beltrão de Gouveia e Almeida, a expedição de alvarás de posse de terras em beneficio daqueles que tinham condição de pagar os serviços de cartografia e laborar a terra. De uma tacada o governador determinava a ocupação do território e incorporava novos pagadores de tributo à capitania.
Nessa época já haviam garimpos clandestinos alem da margem direita do rio Paraiba do Sul em terras fluminenses. O fato seria constatado na gestão seguinte, no ano de 1786, ocasião em que foi aprisionado o bando chefiado por Manoel Henriques o "Mão de Luva". A região da captura foi nos antigos sertões do Macacú onde está localizado o atual municipio de Cantagalo.
Entre 1781 e 1783 foi edificado na margem do "Caminho Nôvo", um posto de guarda (depois Registro do Paraibuna) por determinação de D. Rodrigo Menezes. Isso deveu-se ao fato de Tiradentes ter descoberto em suas diligencias, um atracadouro de canoas no local, que ficaria conhecida como "Porto do Menezes", uma alusão ao governador D. Rodrigo. O porto em questão ficava pouco a jusante do encontro das águas do rio Preto com o Paraibuna. Atualmente é possivel observar o local por acesso através de uma antiga fazenda de café de nome Cambuí, no atual município mineiro de Simão Pereira.
A chegada do Governador à região, tendo Tiradentes como chefe de sua escolta, deveu-se as informações que chegaram à Vila Rica dando conta da descoberta de ouro no rio do Peixe. Desse modo, pode-se verificar, que tanto a leste, como à oeste do "Caminho Novo", já haviam grupos de habitantes clandestinos ocupando vastas extensões de terra da capitania de Minas.
Nessa ocasião o vice reinado com sede no Rio de Janeiro designou o capitão Inácio de Sousa Werneck para uma incursão na margem direita do Rio Preto, zona de fronteira entre Rio e Minas. Após a verificação e constatação da existencia apenas de nativos, recebeu o capitão a incumbencia de pacificar os indios na região. Desse modo, surgiu o aldeamento de Valença, onde ele recebeu sesmarias e onde se fixou seu genro João Pinheiro de Sousa, então recem casado em Sacra Familia do Tinguá, com sua 8ª filha Isabel Maria. Dessa união, nasceria Peregrino D'América Pinheiro Werneck, o visconde de Ipiabas, primo irmão de Antonio Luis dos Santos Werneck, que na banda leste da Paraiba (Bemposta) a partir de 1837, se tornaria o maior produtor de café dentre todo o clã Werneck.
Após a gestão de D. Rodrigo José de Menezes, com quem Tiradentes mantinha uma relação recíproca de admiração e apreço, veio governar a capitania de Minas, D. José da Cunha Meneses, que logo ficaria conhecido como o "Fanfarrão Minésio". Homem de baixa estatura moral e notório corrupto, Cunha Menezes levaria a capitania de Minas a uma situação administrativa caótica. Com o descontentamento do extrato social pagador de tributos, se desencadearia o movimento que os historiadores de Minas denominaram de "Inconfidencia Mineira".
Verdadeiramente, o Alferes Joaquim José da Silva Xavier deixaria a farda após sua volta a Vila Rica, mas seu repudio ao governador Cunha Menezes e a desilusão com a coroa, surgiram quando ele ainda atuava em terras fluminenses. Especialmente na vila da Paraiba, Tiradentes mantinha grande contato com seus conhecidos de Minas que haviam mudado para a região fluminense. Nas missas dominicais na capela de Sant'Anna de Sebolas ou de São Pedro e São Paulo da Paraiba, ele encontrava os mais próximos amigos e conhecidos. Exercitava tambem a pratica odontologica ao longo do "Caminho Novo", desse modo, conquistava novos amigos, angariando grande popularidade.
Sua contemporanea e mais jovem Mariana Jacinta - nascida na fazenda do "Ribeirão dos Cavalos" na aplicação de N.S. da Piedade do Rio Grande, frequentava o arraial dos Prados e a vila de São José levada pelos pais em visita a parentes - habitava na fazenda do Mato Grosso casada com o capitão Antonio Barroso Pereira.
Na vila da Paraiba, dentre outras familias oriundas de Minas, havia a presença do coronel Luiz Alves de Freitas Belo (avô do duque de Caxias) que deixara a comarca do rio das Mortes com toda a familia. Sua esposa D. Ana Quitéria Joaquina de Oliveira era irmã de dois inconfidentes que iriam para o degredo em 1792. Inacreditavelmente, Bernardina Quiteria de Oliveira, uma das filhas de D. Ana Quitéria, viria a se casar com o delator de Tiradentes, o coronel Joaquim Silvério dos Reis, não bastasse a tragédia com seus tios, o coronel Francisco de Oliveira Lopes e o padre José Lopes de Oliveira. Ambos sucumbiram, em Bié na Africa e no cárcere da fortaleza de São Julião da Barra em Lisboa respectivamente.
Ainda na serra fluminense, Tiradentes manteve amizades com inumeras outras pessoas que tinham ligações familiares com seus pares de Minas. Especialmente em Sacra familia do Tinguá e na vila de N.S. da Conceição do Alferes. Dessas ligações surgiu a grande amizade com Antonio Ribeiro de Avellar, sobrinho neto do capitão mor Francisco Gomes Ribeiro, que foi avô materno do capitão Inácio de Sousa Werneck, tambem seu amigo. O capitão Gomes Ribeiro foi o fundador do engenho de N.S. da Posse no ano de 1736, cujas ruínas da capela erguida por ele, se encontram no atual distrito de Xerém pertencente ao atual municipio de Caxias, na margem do que foi o "Caminho Novo" de Garcia Rodrigues Paes (1709/1724).
Houve um outro Francisco Gomes Ribeiro, o "Môço", que era sobrinho homonimo do capitão mor, e foi testamenteiro deste. O "Môço", foi rico comerciante na freguesia de N.S. do Pilar do Iguaçú, quando financiou a edificação do engenho do Pau Grande, o maior que existiu na Paraiba. A empreitada foi realizada por seus sobrinhos, os irmãos José Rodrigues da Cruz e Antonio Ribeiro de Avellar.
É importante ressaltar que, o nome familiar Gomes Ribeiro Avellar é oriundo de Santana da Carnota - termo de Alenquer - patriarcado de Lisboa, diferentemente do Avellar e Almeida, cuja origem é açoriana e se fixou posteriormente em Vassouras.
Antonio Ribeiro da Cruz, filho de José Rodrigues da Cruz, veio a se casar com Leonarda Maria de Rezende, natural do arraial dos Prados. Ela era filha do cel. Severiano Ribeiro, natural de Loures, patriarcado de Lisboa e de D. Josefa Maria de Rezende, natural da freguesia dos Prados. D. Josefa era irmã inteira de João de Rezende Costa, e sua filha Leonarda, era prima irmã do filho homonimo do citado. É desse ramo que descendeu o marques de Valença, parente do 1º barão de Entre Rios.
João de Resende Costa, pai e filho, foram para o degredo após o veredito dos autos da devassa; eram primos de Mariana Jacinta de Macedo, nessa altura, mãe de Magdalena Maria (1789) e Antonio Barroso Pereira (1792 -futuro barão de Entre Rios).
Foi da criação de cavalos para abastecer a demanada das tropas, que o arraial tomou a denominação. Das cercanias do arraial dos Prados, originou-se a raça denominada Campolina, apurada em Lagoa Dourada, por descendentes da familia Rezende Costa, tronco de uma das tres "ilhoas" de Minas Gerais.
O casal Leonarda e Antonio tiveram oito filhos, sete nasceram na freguesia de N.S. da Conceição do Alferes (Paty).
Após o falecimento de Leonarda, Antonio Ribeiro da Cruz se casaria com Joaquina Maria de Rezende, tambem natural do arraial dos Prados e filha de D. Ana Joaquina de Rezende, que era tambem irmã inteira de João de Rezende Costa, o pai. Desse segundo matrimonio nasceram mais dez filhos.
Com a contribuição da genealogia, é possivel entender, como Tiradentes viveu no territorio fluminense e compreeder a origem de suas fortes ligações fluminenses, especialmente em Sebolas. Quanto a dita "Inconfidencia", não se restringia apenas a capitania de Minas Gerais, uma vez que, no ocaso de sua atividade militar, Tiradentes ainda transitava livremente no Rio de Janeiro. Em terras fluminenses, ele estabelecera articulações, que seriam de suma importancia nos desdobramentos do movimento após sua volta à capitania de Minas. Seu principal contato no Rio de Janeiro foi com o riquíssimo comerciante Antonio Ribeiro de Avellar, aqui já citado.
Após a morte de Avellar, sua viúva e alguns de seus filhos, deixaram o Rio de Janeiro para habitarem no engenho do "Pau Grande", onde ele jamais residira. Sua ruina finaceira veio a ocorrer após seus depoimentos favoraveis a Tiradentes conforme consta nos "Autos Devassa" .
Ainda na ativa servindo como Alferes, Tiradentes varreu toda a região do vale do rio Cágado no rastro de assaltantes e de garimpos clandestinos. Na margem do Paraiba em direção leste, encontrou novamente marcas de penetração de gente que demandava à margem direita do Paraiba. Em função disso, surgiria o denominando "Porto Novo do Cunha", alusão ao então governador Cunha Menezes, que atualmente se constitui no municipio mineiro de Alem Paraíba. Certamente, Tiradentes não capturou o "Mão de Luva", mas foi dele o mérito das verificações que evidenciaram o rastro do famoso forasteiro aprisionado em 1786.
Habitando na fazenda do "Mato Grosso" em Sebolas desde 1784, o capitão Antonio Barroso Pereira e sua jovem esposa Mariana Jacinta tocavam a propriedade. Mantinham correspondencia com os familiares em Piedade do Rio Grande, arraial dos Prados e cercanias da vila de São José, alem de interagirem com os mineiros parentes ou não, que tambem haviam demandado as proximidades do arraial de Sebolas. Havia amizade com habitantes locais oriundos de outras paragens do Rio de Janeiro, como o caso dos proprietarios da fazenda Sebolas, cuja sede se localizava defronte à capela de N.S. de Sant'Anna onde eram realizadas as missas dominicais.
Próximo do arraial ficava o posto de guarda da "Pampulha", que possuia ampla e confortavel sede que servia de pousada para autoridades em transito entre o Rio e Minas. No andar terreo, no frontispicio da sede, havia um magnífico oratório, típico do século XVIII. Do lado externo assistiam a missa servidores civis, como ferreiros e escravos diversos, assim como, furriéis e soldados. O andar superior era restrito as autoridades civis e militares em transito. Na comunhão, eram utilizadas duas escadas laterais de belo acabamento em jacarandá que davam acesso interno, desse modo, as pessoas que comungavam, desciam para o oratório por um lado e depois subiam pelo outro, onde acompanhavam o culto com vista para o altar.
Foi para o posto da Pampulha, ponto terminal do "Caminho do Mar de Espanha", que veio do Rio o despojo de Tiradentes após sua morte no cadafalso em 1792. Seu quarto esquerdo foi erguido e exposto exatamente no centro do antigo arraial de Sebolas, onde não era necessário montar guarda no local, uma vez que, mesmo a pé, vinte minutos era o tempo gasto entre o antigo posto da Pampulha e o centro do arraial.
Em N.S. de Sant'Anna de Sebolas, Tiradentes teve a única parte de seu despojo a ter sepultamento digno, o quarto esquerdo superior. Desde então, o lugar passou a ser conhecido como Sant'Anna de Tiradentes. E ainda hoje, o antigo arraial é lembrado como Sebolas, apesar do distrito atual ser oficialmente denominado Incofidencia.
O sepultamento foi realizado na capela de Sant'Anna, em comovente cerimonia a qual compareceram maciçamente habitantes das freguesias próximas e distantes de Sebolas. Quanto ao suposto romance com D.Anna Mariana Barbosa de Matos, que depositou a urna com o despojo do martir debaixo do altar da antiga capela, tudo não passa de lenda. Ela o fez em solene missa dominical, com a ajuda de seus filhos Leandro e José Antonio, que removeram o despojo salgado que havia sido suspenso em grosso bambú, entre sua residencia e a capela de Sant'Anna.
José Antonio Barbosa era o filho mais velho de D. Ana Mariana Barbosa, que curiosamente, receberia anos mais tarde a alcunha de "capitão Tira Morros". Apelido dado por reconhecimento e amizade do então regente D. João, que por capricho da história, decidira em Lisboa a sentença de morte do grande amigo dos habitantes do arraial de Sebolas, o inesquecivel Tiradentes.
Homem de extraordinária capacidade de trabalho alem de responsavel, honesto e justo, José Antonio Barbosa encorporaria ao seu nome o apelido real. Passaria a assinar Cel. José Antonio Barbosa Tira Morros. Ele faleceria no ano de 1834, um ano após a morte de Mariana Jacinta, com quem ele se casara depois da morte do capitão Antonio Barroso Pereira ocorrida antes de 1803.
No ano de 1789, nascia Magdalena Maria Pereira, a unica filha do capitão Antonio e Mariana Jacinta. Na europa, eclodia a revolução francesa que influenciaria no Brasil os ideais do movimento "Iluminista", que reforçaria os anseios de liberdade aqui sentidos desde a independencia da América inglesa ocorrida em 1776.
No crepusculo de 1789, o desembargador Antonio Barroso Pereira, sobrinho homonimo do capitão Antonio, terminava seu trienio como 8º Intendente dos "Negócios de Diamantes da Coroa" no Tejuco, em Minas. Ele tinha como fiscal de sua gestão, seu amigo e compadre Luis Beltrão de Gouveia e Almeida, que fôra o corregedor aqui citado na gestão de D.Rodrigo José de Menezes entre 1781 e 1784. Eram fraternos amigos desde os tempos de estudantes de direito na universidade de Coimbra, desse modo, ambos possuiam mentes "Iluminadas". Eram juristas bafejados pelo movimento que emanara da França e se espalhara por toda a Europa. Contudo eram juristas que compreendiam a condição de suditos da coroa portuguesa, que os distinguia com cargos de elevada confiança, colocando-os novamente juntos, como responsaveis pelos negocios de diamantes do reino de Portugal.
O desembargador Antonio Barroso Pereira, que acabara de ser pai do 3º filho Joaquim, encontrava embaraços com o novo governador de Minas que tentava remover suas imunidades inerentes ao seu cargo em meados de 1789. O desembargador era acusado de fazer parte da sedição pelo fato de haver oferecido fuga do distrito diamantino ao padre Oliveira Rolin, um notorio sedicioso e traficante de ouro.
Diante da implacavel perseguição do governador José Luis Furtado de Mendonça - visconde de Barbacena - o 8ºIntendente recebeu o apoio do vice-rei D. Luis de Vasconcelos e Sousa, seu sobejo aliado. Mesmo sendo tio do governador de Minas, D. Luis se despediria do 8º Intendente, que então voltava para Portugal em fins de 1789, devendo se explicar ao regente D. João, uma vez que, a rainha D. Maria I já se encontrava acometida de demencia.
Luis Beltrão de Gouveia e Almeida se tornou 9º Intendente no Tejuco; na ocasião, ele enviou precatorio, confirmando outro anteriormente remetido por seu antecessor, reiterando a manutenção da prisão de Joaquim Silverio dos Reis na ilha das Cobras por lesa a real fazenda.
O inquerito instaurado por D. Luis de Vasconcellos e Sousa, que prendeu Tiradentes em 1789, através de denuncia feita no Rio por Joaquim Siverio dos Reis, somente seria encerrado em 1792, quando foi determinada a sentença dos reus. Tiradentes foi o unico a morrer enforcado porque se tornara reu confesso, livrando desse modo, os demais companheiros da pena máxima. E certamente por tal circunstancia, o regente D. João, que era homem piedoso, relutara por dois anos, até que sentenciasse a pena de todos os envolvidos na sedição.
O desembargador Antonio Barroso Pereira que em 1790 matriculara os tres filhos brasileiros no "Colégio dos Nobres" de Lisboa, fôra promovido a desembargador de agravos na metrópole. Nos anos seguintes, tornou-se pai de outros tres filhos portugueses: José que se tornaria jurista, João, que recebeu o nome do avô paterno, e Francisco, agraciado com o nome do bisavô, que foi o pai do capitão Antonio Barroso Pereira, dono da fazenda do Mato Grosso em Sebolas.
Após seu trienio como 9º Intendente, Luis Beltrão de Gouveia e Almeida passou a exercer o cargo de corregedor no tribunal da Relação no Rio de Janeiro, ao tempo em que se viu envolvido no caso "Silva Freire". Tudo por conta da afirmação do então vice rei (1790-1801), José Luis de Castro o conde de Resende, que o acusara de ser pedreiro livre e jacobino.
Tal acusação não redundou em consequencia alguma, e Beltrão de Gouveia acabou por ser nomeado por portaria real para ocupar a presidencia do dito tribunal, cargo mais importante de um magistrado no vice reinado. Possivelmente nessa ocasião, teria surgido a oportunidade para o requerimento de concessão de alvará de posse de terras na banda leste da vila da Paraiba na margem fluminense do "Caminho do Mar de Espanha". As sesmarias requeridas pelo capitão Antonio Barroso Pereira envolviam o vasto territorio entre as margens direita dos rios Piabanha e Preto, desde São José da Serra Acima, até o encontro do primeiro com as aguas do Paraiba. E desse ponto, até o alinhamento com o morro de São João, marco da futura vila de Anta. O território compreendia ainda, todo o vale do rio Calçado, e a demarcação na margem direita do Rio Preto fechando o perímetro.
O capitão Antonio Barroso Pereira não viveria para desbravar tamanho territorio, o que somente iria começar a ocorrer, após o luto de dois anos de sua jovem viuva Mariana Jacinta, que se casaria com o vizinho José Antonio Barbosa, o futuro capitão "Tira Morros".
No ano de 1805, o casal recem constituído iniciaria a edificação de uma grande sede de fazenda próxima do lugar denominado "Portões", na margem do "Caminho do Mar de Espanha". O lugar está situado no lado leste dos contrafortes da serra do "Mundo Novo". No lado oposto, encontra-se o atual distrito de Alberto Torres, por onde a antiga via atravessava o rio Piabanha, indo na direção do posto da Pampulha em Sebolas, seu destino final.
Certamente o capitão José Antonio Barbosa acabaria por assinar os livros de concessão das terras com alvarás ofertados por Luis Beltrão de Gouveia e Almeida em função de seu casamento com Mariana Jacinta de Macedo, então viuva do capitão Antonio Barroso Pereira.
A margem fluminense do "Caminho do Mar de Espanha" ganharia então imensa importancia regional. Alem de ser a primeira via a surgir após a "variante Proença", seria utilizada tambem, como base da ocupação do vale do rio Calçado e escoamento do produto das novas lavouras de café ali estabelecidas.
Antes mesmo de ocupar a chefia, Luis Beltrão de Gouveia e Almeida teria participado como membro do "Conselho Régio" na extrategia para fomento da cultura cafeeira no vale do Paraiba, através da determinação do plantio das primeiras mudas de café, utilizando as terras marginais do "Caminho do Mar de Espanha"na banda leste da Paraiba. A área era altamente extratégica devido a logística ideal para transporte do produto das lavouras pioneiras dada a proximidade e acesso facil ao Rio de Janeiro. Somado a isso, já havia povoamento no lado mineiro do dito caminho, fato que promovia boas condições para o sucesso do plantio e transporte de café na margem esquerda do Paraiba.
É grande o mérito de Luis Beltrão de Gouveia e Almeida, considerando-se que ele fôra o corregedor em 1781, desse modo, conhecedor profundo da região, tendo portanto, influido decisivamente quanto a concessão dos alvarás de posse de terras em favor do capitão Antonio Barroso Pereira na margem fluminense do "Caminho do Mar de Espanha".
No ano de 1816, com o falecimento da rainha D.Maria I, o regente se tornava rei de Portugal, Brasil e Algarves, com o título de D. João VI. No ano seguinte, ele mesmo assinaria a concessão dos alvarás de posse das terras de Entre Rios ao jovem Antonio Barroso Pereira e a irmã deste, ambos enteados do capitão "Tira Morros". Antonio que servira no batalhão dos Dragões de Vila Rica, fundaria as fazendas do Cantagalo, Cachoeira e Rua Direita. Sua irmã fundaria as fazendas Boa União e Piracema. Ele venderia então a sua metade que herdara da fazenda da Bemposta, que dividira em tres partes. A central com a sede, negociou com o sargento-mor José Vieira Afonso, que por sua vez vendera a fazenda do Córrego Sêco a D. Pedro I. A banda leste de sua metade, ele negociou com Antonio Luis dos Santos Werneck, assim como, a banda oposta, ele vendeu a Tomé Correia de Salles.
A metade leste da fazenda da Bemposta foi incorporada à fazenda Sant'Anna fundada em 1813 por Magdalena Maria Pereira, tambem herdeira do capitão Antonio Barroso Pereira.
O acesso as terras de "Entre Rios" tinha origem no "Caminho do Mar de Espanha" bem próximo a sede da "Fazenda da Bemposta", cuja denominação poderia ser atribuida a uma homenagem ao rei D.João VI, que faleceu no ano de 1826 no "Paço da Bemposta", nas cercanias de Lisboa.
Do vale pioneiro do rio Calçado, a cultura cafeeira atravessaria logo o rio Paraiba do Sul para no lado mineiro do "Caminho do Mar de Espanha", onde teria a participação pioneira dos irmãos Francisco Leite Ribeiro e Custódio Ferreira Leite (depois barão de Ayuruoca; nascido em 3.12.1782 em São João del Rey). Nas suas fazendas, dos Alpes e do Louriçal, surgiu a cultura cafeeira em terras de Minas Gerais. E tambem por isso, o antigo arraial do Cágado é ainda hoje lembrado como a porta de entrada na "Zona da Mata Mineira".
Do epicentro do vale do rio Calçado, a primeira onda da cultura cafeeira em larga escala de produção, atingiu Cantagalo, antes mesmo do seu adensamento em Vassouras, Valença e a Paraiba Nova (Resende), assim como, as demais areas do vale do Paraiba na direção de São Paulo.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

O VALE DO CALÇADO

O Vale do rio Calçado, desconhecido dos grandes historiadores brasileiros, fica situado entre os municípios de Sapucaia, São José do Vale do Rio Prêto e Três Rios, no Estado do Rio de Janeiro. Sua importancia está relacionada ao crepúsculo e resplandecer de dois grandes ciclos econômicos da história do Brasil, o ocaso aurífero em Minas e o surgimento da cultura cafeeira no Rio de Janeiro.
Nem mesmo a maior obra escrita sobre o café no Brasil, faz menção a essa região. Seu autor, o grande historiador Afonso D'Escragnole Taunay, era descendente da familia Teixeira Leite, grandes cafeicultores de Vassouras e Mar de Espanha. Curiosamente, Nicolas Antoine Taunay, seu avô, um dos principais membros da denominada "Missão Francesa" de 1816, passou a residir ao lado da cascata da Tijuca, em um sítio próximo a seus pares de idioma, os primeiros produtores comerciais de café no varejo da praça do Rio de Janeiro.
Recentemente tive a oportunidade de me inteirar sobre o conteúdo de uma correspondência entre o eminente historiador, e o sul paraibano Pedro Gomes da Silva, mais conhecido regionalmente pela alcunha de "Pedro Cabrito". O ultimo indagava informações para o conteúdo de seu livro, que somente seria publicado após sua morte. O título do mesmo foi escolhido por seu grande amigo e colaborador Arnaud Pierre, que o organizou, enriqueceu e publicou. A obra denominada "Capítulos da História de Paraíba do Sul", se constitui em rara referência à história do atual municipio de mesmo nome. Na correspondencia mencionada, A.D.Taunay lamenta não conhecer absolutamente nada sobre a conquista da banda leste da Paraiba, e responde fidalgamente, solicitando possiveis informações ao Pedro Cabrito.
Conheci Arnaud Pierre no ano da comemoração dos 150 anos da fundação da estrada União e Indústria; desde então, apesar de seus mais de 80 anos, caminhamos e devassamos a geografia de várias áreas da antiga Paraíba do Sul e adjacencias. Mostrei-lhe todo o território que pertenceu ao capitão Antonio Barroso Pereira, assim como, as fazendas do Mato Grosso, Sant'Anna, Calçado e outras que ele ainda não conhecia.
O atual município de Paraíba do Sul, fundado em 1834, surgiu a partir da antiga fazenda da Paraíba, edificada por Garcia Rodrigues Paes, na margem do "Caminho Novo", que ele desbravou, ligando Minas ao Rio de Janeiro por volta de 1709. Esse caminho foi encurtado a partir de 1724, por obra do então capitão Bernardo Soares de Proença, que aceitara as codições do contrato com a metrópole. Conhecida como "Variante Proença", o novo trecho partia da Paraiba, passava pelo arraial de Sebolas e atingia o atual município de Petrópolis, para em seguida descer a serra da Estrêla e alcançar o pôrto de igual nome na baía de Guanabara.
A partir de 1750 a capitania de Minas não mais atingia a meta das 100 arrôbas anuais de ouro exigidas pela coroa de Portugal. Para compensar o deficit, a metrópole pressionava com aumento de impostos, as "Derramas", trazendo em contrapartida, descontentamento no extrato social pagador de tributos. Com a situação flagrante de estagnação econômica em Minas, por volta de 1770, algumas familias já haviam deixado aquela capitania em busca de cartas de sesmaria próximas da então vila da Paraíba, mais perto do Rio de Janeiro.
Em 1784, após pomposo casamento ocorrido na matriz de N.S. do Pilar de São João del Rey, o capitão Antonio Barroso Pereira, natural de N.S. do Salto, PT e a jovem Mariana Jacinta de Macedo - nascida na fazenda do Ribeirão dos Cavalos e N. S. da Piedade do Rio Grande em São João del Rey -, fizeram o mesmo. Conseguiram terras na margem da "variante Proença" para edificar a modesta sede da fazenda do Mato Grosso, nas cercanias da capela de N.S. de Sant'Anna de Sebolas, na antiga freguesia da Paraíba.
Pouco antes, no ano de 1781, o então capitão general ou governador de Minas, D. Rodrigo José de Menezes, encarregara o corregedor Luis Beltrão de Gouveia e Almeida, para lavrar alvarás de posse de terras na região leste da serra da Mantiqueira, a "Zona da Mata", ainda denominada desse modo atualmente. O governador percebeu a necessidade de regularizar a situação naquela região da capitania que se encontrava repleta de garimpos clandestinos. Tal território fazia parte dos denominados sertões proibidos pela coroa, ou seja, grandes vastidões de terras ainda não cartografadas e de acesso vedado para evitar contrabando de ouro.
Nesse tempo, o alferes Joaquim José da Silva Xavier - Tiradentes - se encontrava em extensa rotina de trabalho, não somente como militar, chefiando o policiamento na região, mas também como mestre da obra de um posto de guarda, que seria mais tarde transformado no "Registro do Paraibuna". Ele viera do batalhão de Vila Rica como chefe da escolta de D. Rodrigo Menezes, que apreciando sua capacidade, o incumbiu dentre outras, as citadas missões.
Entre sua rotina de trabalho e o descanso, Tiradentes tinha gosto preferencial pelo arraial de N.S. de Sant'Anna de Sebolas, onde se encontravam vários antigos vizinhos e amigos do tempo de sua juventude, das cercanias da vila de São José, que atualmente é o município mineiro de Tiradentes em sua homenagem.
Após seu enforcamento no ano de 1792, houve o episódio macabro do uso de partes de seu corpo esquartejado. Devido a suas amizades no arraial de Sebolas, Tiradentes teve ali exposto o quarto esquerdo superior de seu corpo, o do coração. Tal episódio fez com que o lugar ficasse conhecido como Sant'Anna de Tiradentes, fato que compreendi mais recentemente, quando tive acesso a outra correspondencia entre Pedro Cabrito e Damaso José de Miranda Carvalho. O ultimo era descendente da irmã caçula de Tiradentes, e bisneto de Magdalena Maria e Damaso José de Carvalho. Curiosamente, Damaso José Miranda Carvalho, era sobrinho de Antonio José de Miranda Carvalho que foi proprietário da fazenda do "Governo", uma das mais antigas que subsistem na margem da variante Proença.
Antonio José Miranda Carvalho era filho de Damaso José Barroso de Carvalho, irmão caçula de José Antonio Baroso de carvalho - visconde do Rio Novo - e de Mariano José e Antonio José Barroso de Carvalho, assim como, de Carolina Carvalho Pinto. O corregedor Luis Beltrão de Gouveia e Almeida, viria a ser fiscal na gestão do 8º Intendente nos "Negócios de Diamantes" da coroa no Tejuco em Minas, ambos eram amigos contemporaneos egressos da Universidade de Coimbra.
Tal gestão no "Distrito Diamantino" teve início no ano de 1785 por portaria da rainha D. Maria I. O 8º Intendente era sobrinho, afilhado e homônimo do capitão Antonio Barroso Pereira. No mesmo ano, Luis Beltrão tornou-se padrinho do 1º filho do amigo Antonio, o Intendente. A cerimônia ocorreu na capela de Santo Antonio do Tijuco; o menino recebeu seu nome; ficaria conhecido mais tarde como o notavel oficial da "Armada Imperial", Luis Barroso Pereira, que se notabilizaria a partir da batalha de "Santarém" PT, contra as tropas de Napoleão Bonaparte no ano de 1811.
É importante ressaltar, que o capitão, o intendente, e o filho do capitão, respondiam pelo mesmo nome de Antonio Barroso Pereira. Portanto o 8º Intendente era primo irmão do futuro barão de Entre Rios, assim como, da irmã deste, Magdalena Maria, os únicos filhos do capitão Antonio.
O capitão, era irmão de João Barroso Pereira, desembargador da "Relação" da cidade do Pôrto, e que por sua vez, era o pai do 8º Intendente.
Antes de substituir o 7º Intendente, o terrivel D. Antonio de Meireles, "O cabeça de Ferro", Antonio Barroso Pereira era fiscal em Vila do Príncipe em 1784, por portaria assinada pela rainha Maria I. Ele aqui chegou, recem casado com Inácia da Costa Sampaio a tempo de assistir o casamento do tio e padrinho homônimo.
No Tijuco - Diamantina -, nasceram Luis, Bento e Joaquim, os tres primeiros filhos brasileiros de Antonio (8º Intendente) e Inácia, que foram importantes na consolidação da Independência do Brasil.
É perfeitamente plausivel, que na ocasião que requereu concessão de alvarás de posse de terras na área leste da Paraíba, o capitão Antonio Barroso Pereira tenha sido avaliado candidato preferencial. Não se pode ignorar, que a presença de Beltrão de Gouveia no alto escalão da malha burocrática nessa ocasião, possa ter influído a seu favor, e o ter privilegiado com mais de uma carta de Sesmaria. Por outro lado, é de se considerar, que a coroa distinguia quem tinha reais condições financeiras para laborar a terra. Além disso o capitão era oriundo de uma das mais antigas e importantes familias de Portugal. Barrosos e Pereiras tem parentesco e raizes em Salto, por vários séculos; dali era oriunda Leonor Alvim Barroso, que foi desposada pelo primo Nuno Alvares Pereira, o 2º Condestavel do reino de Portugal. O casal teve a filha Beatriz, que se tornou esposa do 1º duque de Bragança, desse modo, matriarca de toda descendencia, inclusive, o principe regente D. João.
Primariamente, o julgamento do "Conselho Ultramarino" apreciava o perfil do candidato, fato que favorecia o capitão Antonio, que não era um aventureio, mas um funcionário graduado de carreira, de familia importante; que dera baixa da ativa em Vila Rica, no inicio da gestão Rodrigo Menezes.
Luis Beltrão de Gouveia e Almeida, membro ha tempos do "Tribunal da Relação" no Rio de Janeiro desde que deixara o cargo de 9º Intendente dos Diamantes no Tijuco, fora efetivado titular no cargo no ano de 1805. Chegava ele ao topo de uma brilhante carreira no Brasil, desde que deixara Salvaterra de Magos,PT, quando atuara como corregedor de concessão de alvarás de posse de terras na capitania de Minas.
Por designação do regente D. João, Luis Beltrão de Gouveia e Almeida, deixaria o Brasil para se tornar capitão general da Ilha da Madeira no ano de 1814. Ali como governador, despachando normalmente no seu gabinete de trabalho, faleceria ele (de síncope cardíaca), o eterno solteirão e uma das mais brilhantes inteligencias do reino.
Com o falecimento do capitão Antonio Barroso Pereira antes de 1805, a viuva Mariana Jacinta veio a contrair segundas nupcias com o capitão José Antonio Barbosa, da fazenda Sebolas, cuja sede ficava defronte a capela de Sant'Anna, onde fôra expôsto parte do despojo de Tiradentes em 1792.
Certamente, após a morte do capitão Antonio Barroso pereira, o segundo marido da então viuva Mariana Jacinta, viria a assinar os livros de concessão de Sesmarias na banda leste da Paraíba. O fato também explica, que após a morte do capitão Antonio, sua viúva Mariana Jacinta e os únicos filhos do casal, Magdalena Maria (nascida em 1879) e Antonio (nascido em 1792 e futuro 1º barão de Entre Rios), herdariam a maior parte do imenso território da banda leste da vila da Paraíba. Tais terras se localizavam desde a margem fluminense do rio Paraíba do Sul, abrangendo os atuais distritos de Anta e Aparecida, pertencentes ao atual município de Sapucaia, assim como, o distrito de Bemposta, pertencente atualmente a Três Rios.
Consequentemente as determinações do governador da capitania de Minas a partir de 1781, houve grande adensamento populacional na mencionada zona leste da Mantiqueira ou "Zona da Mata", em especial no arraial do Cágado, atual municipio de Mar de Espanha. Seus habitantes passaram a utilizar uma nova via, que ficaria conhecida como "Caminho do Mar de Espanha", desse modo, os viandantes que se dirigiam dessa região ao Rio de Janeiro, não mais tinham a necessidade de passar pela vila da Paraíba, pois tal caminho ligava diretamente à Sebolas.
Por volta de 1805, foi edificada a primeira grande sede de fazenda de criação e de lavouras, na margem dessa nova via, justamente para a ocupação e desenvolvimento daquele imenso território deixado pelo capitão Antonio Barroso Pereira, que falecera pouco antes. Tal empreendimento se localizava na margem do "Caminho do Mar de Espanha" em terras fluminenses, que correspondiam a zona leste da vila da Paraiba e próxima de Sebolas. Ali foi edificada uma grande sede pelo capitão José Antonio Barbosa, esposa e enteados. É possivel que o nome da propriedade tenha se perpetuado como fazenda da Bemposta, em homenagem a D. João VI, que faleceu no ano de 1826 no "Paço da Bemposta" nas cercanias de Lisboa.
O lugar era conhecido como "Portões" que atualmente, é nome de um bairro do município de Areal, que se emancipou recentemente de Três Rios.
No ano de 1813, distando mil metros a sudeste do antigo "Porto Velho", local de travessia entre Minas e Rio, no percurso do "Caminho do Mar de Espanha", a herdeira Magdalena Maria, então recem casada com Damaso José de Carvalho, ergueria a fazenda "Sant'Anna", uma homenagem dela a N. S. de Sant'Anna de Sebolas. A sede dessa fazenda foi edificada na margem de uma área lageada do rio, que por isso, se eternizou como Calçado. Magdalena Maria, ergueria posteriormente, a primeira capela do outrora arraial de Anta, também denominando-a Sant'Anna.
As fazendas Sant'Anna e Bemposta passariam a receber mudas de café "Arábica", bem antes da ocasião em que D. João VI deferiu requerimento de concessão das terras de Entre Rios, solicitadas por Antonio Barroso Pereira e sua irmã Magdalena Maria no ano de 1817.
Entusiasmado com a perspectiva econômica do café, tendo como referencia o sucesso dos franco caribenhos do alto da Tijuca, o príncipe regente determinou uma verdadeira política de estado. Havia a necessidade urgente de produzir divisas a um reino mergulhado em imensa crise economica. A melhor possibilidade após a abertura dos portos da colonia, era transforma-la em produtora de café em larga escala para exportação.
Inteirando-se dos requisitos para introduzir vastamente a cultura cafeeira, vislumbrou a coroa prioritariamente, as partes altas do "Caminho Nôvo" relativamente próximas ao porto do rio de Janeiro. Estudadas as possibilidades geográficas e logísticas, a decisão do regente recaiu nos ombros do capitão José Antonio Barbosa e seu enteado Antonio Barroso Pereira, recem egresso do batalhão de Vila Rica. Pelo entusiasmo, empenho e lealdade, logo o 2º marido de Mariana Jacinta, seria tratado pelo regente pela alcunha de capitão "Tira Morros". A razão óbvia do apelido, já denota o estado de espírito daquele que se tornaria rei do Brasil, Portugal e Algarves no ano de 1816.
A política de implantação e desenvolvimento econômico da cultura cafeeira no vale do Paraíba, foi determinada pela ação enérgica e obstinada de D. João VI. Desse modo, o epicentro da primeira onda do café ocorreu no vale do rio Calçado, na margem do caminho do Mar de Espanha Fluminense, dirigindo-se em seguida, para a banda mineira desse mesmo caminho, mais precisamente nas cercanias do antigo "Arraial do Cágado". Após o sucesso pioneiro de Bemposta, a cafeicultura logo surgiu na região de Cantagalo em terras fluminenses.
Em sentido contrário às águas do Paraíba, a implantação extraordinaria da cultura cafeeira daria fama a Vassouras no início de 1830, quando o café se tornaria o primeiro produto da pauta das exportações brasileiras.
Além do pioneirismo do capitão "Tira Morros", projetos de novas vias foram surgindo para o escoamento da cultura do café, mesmo depois da partida de D. João VI. Após árdua e longa obra serra acima, baseada nos mapas do capitão Inácio de Sousa Werneck, ocorreu a abertura da estrada do Comércio, iniciada antes de 1824. A grande empreitada ocasionaria a incorporação de outras áreas, como Rio das Flores, Valença e Rio Preto em Minas Gerais. Neste mesmo ano, haviam chegado tardiamente, os desafortunados colonos Suiços para a ocupação dos antigos sertões do Macacú.
O "Vale do Calçado", título dessa crônica e Blog, tem aqui registrada sua relevancia histórica como protagonista da primeira onda do café no vale do Paraíba, tendo sido a fazenda do Calçado, verdadeiro marco histórico, pois que, foi a primeira fazenda genuinamente projetada para a cultura cafeeira no ano de 1820. Seu famoso quadrilátero de senzalas cercavam e protegiam o terreiro de secagem do café, com o objetivo também de defender o local, contra ataques dos indios Purys que habitavam a região.
A histórica fazenda que recebeu o nome do rio, ilustra esta página. A fotografia acima foi obtida da magnífica obra de Johann Georg Grimm, que a retratou em quadro a óleo sôbre tela, então encomendado por seu proprietário, o fazendeiro Inácio Barbosa dos Santos Werneck, o barão da Bemposta. Inácio adquirira a fazenda do Calçado de Carolina Carvalho Pinto, cunhada de sua irmã Isabel Leopoldina Werneck de Carvalho, que foi casada com outros dois irmãos de Carolina. Das fazendas aqui citadas e edificadas por seus pioneiros, derivaram todas as demais da bacia do rio Calçado, estas, edificadas paulatinamente através de desmembramento de terras das originais Bemposta e Sant'Anna.